sábado, 30 de junho de 2007
desde ontem que a rotina aqui ta corridissima, muita coisinha encriquilhando, TPM a pleno vapor, repare no perigo:

1. ontem, depois de ir na primeira fabrica resolver umas coisas, resolvi passar na "permit shop" - que fica dentro do hotel muquifo - pra me cadastrar e poder comprar uma cervejinha. so lembrando que no estado do gujarat alcool eh proibido, excecao feita para estrangeiros, nao excedendo uma cota.
o motorista da fabrica entra no muquifo, passa em frente da fachada do hotel (a purra toda eh uma especie de resort, ta?) e estaciona numa lateral sem saida. e onde eh, manotti? eh aqui, mam. aqui onde, mofi?? so depois eu percebi que a lateral sem saida tinha um bequinho pra direita e uma portinha estreita no topo de um degrau alto.
o permit shop era la.
um quartinho escuro, caixas de cerveja kingfisher e foster's ateh o teto, um armario de mil-novecentos-e-andar-pra-frente cheio de whisky, vodka, licores e outros destilados. quatro* homens fingindo que trabalhavam. o mais (imagino) importante deles, sentado numa espreguicadeira, me pediu o passaporte. mostrei e ele folheou pagina por pagina com uma das sobrancelhas levantadas. eh, voce vai ter que deixar o passaporte aqui e depois volte as 6 da tarde pra pegar o "permit". olhe, meu senhor, eu nao deixo meu passaporte com ninguem, assino tudo que o senhor pedir, tire copia, mas ficar, meu passaporte nao fica. caaalma, vamos tentar resolver isso. o "chefe" ligou pra nao sei quem, badalou, badalou (em hindi), distingui a palavra brasil e o nome da fabrica no meio do badalo e fiquei quieta. ouquei, mam, tudo certo, o total da 1.200 rupees mais 100 pelo "permit". ta certo. entreguei o dinheiro e quando fui chamar o motorista pra levar a cerveja, o rapaz nao queria me entregar o passaporte. subi nas tamancas. meu senhor, eu disse desde o comeco que se fosse pra deixar meu passaporte eu preferia nao comprar. como eh que o senhor vem com essa historia agora? ah, entao a senhora volta daqui a uma hora com o passaporte, leva a cerveja e fica tudo resolvido. sem problema: o senhor me devolve meu dinheiro, meu passaporte e fica tudo certo. mas a senhora eh dura, hein? apois. sou mesmo. nao nasci ontem. va, leve a cerveja, mas volte em uma hora com o passaporte pra pegar o "permit". namaste, namaste, ateh mais ver.

2. hoje, depois de uma pessima noite de sono, falei pro A. ir na frente pro restaurante do hotel e pedir o cafe, dentro de dez minutos eu estaria la. cheguei no restaurante e na mesa tinha um prato de bacon frio (isso rende outro post), uma garrafinha termica com cafe e uma leiteirinha. esperamos, esperamos... A., voce pediu as torradas, os ovos, o queijo? pedi. esperamos, esperamos... o garcom passava pra la e pra ca com uma cara muito estranha. chamei. as torradas e os ovos estao vindo? o rosto dele se iluminou: sim, sim, mam. esperamos, esperamos e o resto da comida chegou.
explico: indiano tem uma mania pavorosa de responder sempre "sim, mam/sir". nao importa se voce estah perguntando se estah chovendo, se ele vai se jogar do abismo ou qual eh a cotacao do google no mercado de acoes. yes, mam. tudo eh yes. ele nao tem a mais remota ideia do que voce estah perguntando, mas a resposta invariavelmente vai ser yes. ir-ri-tan-te. dei logo uma descatitada em todo mundo e, sinceramente, se a culpa vier a bater, vai ser depois que passar a TPM. ateh la to impossivel.

* o "chefe" na espreguicadeira, um outro preenchendo o permit, outro passando umas notas fiscais para um livro e outro que levou a cerveja ateh o carro.

. moncoes .

a india propala mundo a fora a facanha de ser o unico pais com cinco estacoes: primavera, verao, outono, inverno e moncoes (monsoons) - que comecaram em junho. comecaram em junho, virgula, as moncoes nao atacam e afogam a india por igual, ao mesmo tempo. ela chega do sudeste e se move para noroeste, entao kerala eh um dos primeiros estados a fazer glub glub e - adivinhe? - o gujarat, no noroeste do pais, eh um dos ultimos.

mas ateh agora ainda nao vi nada pra tanta comocao. choveu? choveu. mas nada assim moncooooes, entende? chuviscos bestas. talvez porque aqui o clima seja mesmo meio no-cego.
sábado, 9 de junho de 2007

. laboratorio em domicilio .

o rapaz do laboratorio chegou ao hotel cedo, 8:15h. pode mandar subir, mister raguvir, obrigada.
bom dia, namaste, entre por favor, fique a vontade: o rapaz tirou os chinelos.

mandou eu sentar na poltrona, colocou a bolsa sambada em cima da mesinha de centro, abriu o ziper e tirou de dentro uma seringa descartavel lacrada (ufff), uma ampola, um torniquete de velcro, um vidrinho parecido com de maionese cheio de bolinha de algodao e alcool e um bolinho de esparadrapo. "se o senhor quiser lavar as maos eh ali, oh". o rapaz ficou meio desconcertado mas foi no banheiro lavar as maos e voltou. "pronta?" eu disse que sim e ele amarrou o torniquete no meu braco, mandou eu fechar a mao e comecou a procurar uma veia boa enquanto esfregava o algodao com alcool. "posso tentar o outro braco?". claro.

a essa altura eu ja tava apavorada, mas a idade ta me deixando covarde. um rapaz suado, fedorento, descalco, sem luvas e com as unhas mais pretas desse lado da galaxia estava prestes a furar o meu braco pra colher sangue. vou reclamar? vou nada! vai que o rapaz se enzamboa comigo e resolve tacar a seringa no meu olho? ou atinge o nervo ulnar de proposito pra me deixar com a mao aleijada? nao dei um pio.

minhas veias sao terriveis de achar, expliquei pra ele com um risinho histerico. nao se preocupe, vai dar tudo certo. tomara, pensei, tomara mesmo. aih ele apertou meu braco acima do cotovelo com toda a forca, dobrou e estendeu meu cotovelo 3 vezes, parecia que meu braco ia explodir. ele enterrou a agulha num local nirvanicamente escolhido e aos poucos um pouquinho de sangue foi escorrendo para dentro da seringa. pronto, ele disse, e mandou eu apertar o local da picada com forca. desenrolou um pouquinho do bolo de esparadrapo improvisado, rasgou um quadradinho e aplicou no local. idade? toma algum remedio? volto as 6 da tarde com os resultados. obrigada, namaste.

como disse antes, minhas veias sao problematicas, birrentas. sempre dao trabalho, sempre fico com uma manchona roxa e dolorida que demora dias pra sair enquanto fica preta, verde, amarela. nao senti a dor da agulhada. juro. no local da picada mal se nota um minusculo pontinho completamente indolor.

(!!!)

. dr. ravi .

modos que eu nao ando me sentindo muito bem, o cabelo caindo a bambao, engordando feito uma porca amarrada ao pe da mesa, olhos, rosto, dedos, pernas, pes inchados. perguntei ao A. "to gorda?". "nah, ta fofinha". "e se eu ficar careca?". "a gente compra uma peruca".

ontem, depois que o moco do housekeeping terminou de "pentear" o apartamento (tinha mais cabelo no chao do que sujeira) resolvi chamar o dr. ravi.

dr. ravi eh o medico que prescreve os remedios do A. aqui na india e, como a maioria dos indianos, se movimenta em seu proprio tempo/espaco. magro, alto, indefectivel bigode, um anel em formato de ferradura na mao esquerda, dr. ravi tem umas filosofias bem interessantes. depois de ouvir minhas queixas ele disse que suspeitava de hipotiroidismo e que iria solicitar uns exames de sangue. sugeriu que eu nao me estressasse porque, voce sabe, tudo acontece porque tem que acontecer.

hm?

sim, eh isso mesmo. no momento em que voce nasceu o ceu e os astros estavam alinhados de uma maneira unica e a forca da gravidade desses astros e planetas em conjunto determinaram o seu destino naquele momento e inclusive antes do seu nascimento porque assim como a lua provoca as mares os astros interferem nos liquidos do seu cerebro mesmo antes de voce nascer portanto nao adianta lutar contra os fatos eles estao aih porque eh assim que tem que ser.

tudo explicado assim, num folego so. aih eu perguntei se todos os indianos pensavam como ele. depois de um engasgo e uma leve hesitacao ele afirmou que sim, sim, muito provavelmente. imediatamente sorri e agradeci dizendo que agora finalmente entendia porque os indianos sao - do meu ponto-de-vista ocidental - tao passivos. essa revelacao foi um verdadeiro alivio, dr. ravi, agora entendo melhor o seu povo. agradeci com tanta alegria que dr. ravi sorriu meio amarelo e acho ateh que se ofendeu. pra tentar remediar a situacao meio constrangedora, perguntei se essa posicao nao poderia ser um pouco perigosa para as pessoas que nunca tiveram acesso a educacao como ele teve, pois certamente esse era o tipo de povo mais facil de controlar politicamente: um povo que aceita resignadamente seu "destino" e nunca reclama. ele disse que nao, que independente do nivel de educacao, todos tinham seus destinos tracados. perguntei se gandhi nao fugiria a regra ja que foi um homem que brigou pela abolicao do sistema de castas, pela independencia da india, pela inclusao das mulheres como participantes ativas da sociedade. nao, claro que nao, esse era o destino de gandhi. ah, ta.

mordi minha lingua pra evitar que a conversa descambasse em uma discussao inflamada. eu me conheco, nao me dou por vencida nunca, adorava passar domingos argumentando por horas a fio com testemunhas de jeova, aquela prosa nao tava indo no rumo certo.
queria tanto ter perguntado se, entao, a india era um pais amaldicoado. por que os astros se perfilam sinistramente provocando a morte de milhoes de bebes do sexo feminino, o desprezo das viuvas, a venda de criancas por seus pais para casarem com velhos ou animais? alias, por que mulheres sao vendidas para o casamento? por que nao se pode namorar? por que as pessoas sao processadas/presas se derem um beijo em publico? por que existe tanta imundicie? por que existem os dalits (intocaveis, nao pertencem a casta nenhuma, sao impuros)? por que universidades tem suas exposicoes de arte vandalizadas sob o pretexto de serem pornograficas? por que tudo isso junto - e muito mais - acontece nesse pais que se diz a maior democracia do planeta?

talvez os astros nao gostem dessa latitude e longitude, mas os politicos daqui devem adorar: 1,1 bilhao de pessoas bem mansinhas e conformadas com os seus destinos.
pelo menos ateh que outro gandhi apareca.

. tristeza .

era pra eu estar, nesse exato momento, deitada na minha rede, no meu quarto, ouvindo uma ou outra panela batendo na cozinha, sentindo o cheiro familiar de cafe bom, forte, passado na hora, daqueles que faz a gente ter certeza que ta em casa, o que iria me me levar a me aconchegar mais ainda nos lencois, sorrir de banda - com os olhos bem fechados! - e imaginar se a tapioca do cafe-da-manha de hoje ia ser com manteiga, nata ou coco. tapioca com nata salgadinha e cafe eh o que ha. da uma aziiiia danada, mas pra que eh que existe sonrisal no mundo?

a nossa volta pro brasil tava marcada para essa segunda-feira que passou, dia 04. e olha que quando fizemos a reserva na hora da compra imaginamos que, claro, iriamos ter que eventualmente remarcar para antes.

ra.

remarcamos para final de novembro.
mas com certeza iremos remarcar mais uma vez, dessa vez pra antes mesmo.
segunda-feira, 4 de junho de 2007

. agua .

e hoje choveu no deserto de sal do kutch! fiquei incrivel!
que maravilha. serio.
comecou com um vento gostoso, fresco, o ceu pesado de nuvens, um raio aqui, outro acola. aih choveu. agora ta um cheirinho bom de bosta de vaca misturado com terra e chuva, sabe como eh?
os locais dizem que ainda nao sao as moncoes, mas uma rebarba de um negocio que houve no mar arabico ha alguns dias. as moncoes mesmo, so dia 18.

pois.

o lado ruim eh que ja faltou energia 26 (vinte-e-seis) vezes das 4 da tarde ateh agora (11:20pm).

mas eh assim mesmo, nem tudo eh perfeito.

celebremos.
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